sábado, 24 de abril de 2010

Chá e Tao


É comum em países da Ásia, especialmente no Japão, a realização da Cerimônia do Chá. Contam que houve uma época em que esses povos brigavam muito, disputavam o poder, tinham perdido os valores deixados por Lao Tsé. E em busca de um diálogo mais ameno, o que eles chamam do caminho do Tao, do equilíbrio, foram organizados esses encontros. Dizem que são eventos muito simples, embora existam também os mais formais, e que o chá está intimamente ligado aos princípios do taoísmo e do budismo.
Aqueles que convivem comigo sabem da importância que dedico a tomar chá em determinados momentos do dia. Gosto de dar aquela paradinha para apreciar a bebida quente com sabor delicado. Não consigo explicar a forma como preenche meu interior, deixando uma sensação pacífica de colocar ordem nas emoções. Parece que naquele instante podemos sentir o coração pulsar tranquilamente. É algo parecido com o que sentimos quando apreciamos uma música, uma tela ou o som de uma cachoeira. Os samurais devotavam tanto respeito a essa cerimônia que baixavam suas armas para desfrutar dessas salas de chá.
Nem sempre é possível dar uma paradinha nos afazeres diários. Mas sempre encontro um jeitinho. Em geral fico sem acompanhantes para esses momentos. Daqui do Brasil não cultivamos o hábito. Minhas melhores recordações vêm da ilha de Itaparica. Férias. Casa grande, avarandada, quintal com árvore frondosa, sombra boa, brisa do mar, amigos gaúchos, admiradores de chimarrão, por conseguinte também de chá. Apreciamos ali vários momentos em volta do chá. Uma celebração ao encontro, à palavra, ao silêncio, à paz.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Obrigada por cada um dos comentários. Lindos! Incentivadores e carinhosos. Pensei nessa musiquinha pra dizer que é uma troca, um olhar junto, um olhar com. 

O Seu Olhar 

Arnaldo Antunes

O seu olhar lá fora
O seu olhar no céu
O seu olhar demora
O seu olhar no meu
O seu olhar seu olhar melhora
Melhora o meu
Onde a brasa mora
E devora o breu
Como a chuva molha
O que se escondeu
O seu olhar seu olhar melhora
Melhora o meu
O seu olhar agora
O seu olhar nasceu
O seu olhar me olha
O seu olhar é seu
O seu olhar seu olhar melhora
Melhora o meu

domingo, 18 de abril de 2010

A Dor e o Amor


 E se soubéssemos antecipadamente os motivos pelos quais somos levados a passar por determinados sofrimentos na vida? Será que sentiríamos prazer por perceber o sentido dos acontecimentos desagradáveis? Sabemos que não é assim que funcionam os processos dolorosos pelos quais passamos. Certamente qualquer um de nós rejeita a idéia de saber que algo nos trará qualquer inquietação, mínima que seja. Tenho um pontinho de luz lá dentro, bem guardado, que não me deixa esquecer que tudo de ruim que me acontece é para o meu próprio bem e é sempre necessário que tenha ocorrido.
Quando li De Profundis de Oscar Wilde, fiquei identificada com a forma simples, verdadeira e profunda como encarava aqueles anos na prisão. “Não há um só ato que avilte o corpo que eu não deva tentar transformar numa forma de espiritualização da alma.” Ele tem razão. Não tenho a menor dúvida que é assim que deva ser.
Na próxima quarta-feira, 21 de abril, completam 34 anos que perdi minha mãe. Eu tinha 12 anos. Nada fácil crescer, casar, ter filhos, ver os filhos crescendo sem ter ela por perto. Sofrimento para a vida toda, para todo Natal e Reveillon. Leviano seria dizer que viver respirando a falta de alguém não tenha tido importância. Tem as recordações com lágrimas e aquelas cheias de riso.  Mas o tempo trouxe a aceitação pacífica no coração de que era assim que tinha que ser.
Naquele dia, feriado, uma quarta-feira totalmente ensolarada, da janela do hospital onde tudo aconteceu, vi uma praia cheia de crianças brincando, pescadores jogando suas varinhas e meninos soltando pipas. E percebi ali que a vida continuava. Tudo estava em seu lugar lá fora. Apesar da minha desordem interna. A cena externa voltou ao longo dos anos sempre que se fez inverno em meu coração. E a intensidade da compreensão me levou a Dante: “O sofrimento nos aproxima de Deus.”
Ainda assim é preciso ser feliz. Buscar alegrias e compartilhá-las com o marido, os filhos, os amigos. E fica claro que depois do sofrimento, a alegria é arco-íris.
Só posso concluir de novo com Wilde: “Agora acredito que a única explicação possível para a extraordinária quantidade de sofrimento que existe no mundo é o amor, seja ele de que espécie for.”

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A Revolução da Cristaleira

Ok, os amigos nos inspiram. Despertam em nós estados latentes. Acho que nos percebem. Reconhecem nossos planos secretos. Com amor e delicadeza são espiões de nossos mundos internos. E fazem comentários que soam lá dentro, e pronto! Era o estímulo que faltava para colocarmos em pratica aquele desejo. E olha que só a gente sabia ... Mas o amigo tinha a chave.
Eu sempre tive vontade de escrever. Falar do que já tinha acontecido. Daquilo que já tinha registro emocional, mas eu queria – ainda assim – deixar o retrato também em palavras.
E um dia meu marido quis comprar, e comprou, uma cristaleira pro nosso apartamento. Quando o móvel antigo chegou só tinha uma saída: trocar a mesa de jantar já ultrapassada, depois a mesinha de centro, os detalhes, os rumos. O ambiente foi se iluminando pelo brilho da louça, dos novos objetos, da claridade das ideias. Ficamos mesmo contagiados e envolvidos por aquele momento de criar beleza, reinventar a harmonia das salas e corredores da alma. A casa ficou bonita de verdade.
Contei esse fato a Neila. Ela abriu o tal sorriso mágico, amoroso e cheio de ternura e disse: por que você não escreve sobre a revolução da cristaleira? Clicou bem fundo no pavio da minha disposição. Eu soube naquele mesmo instante: vou fazer o meu primeiro conto. E fiz. Sei que surgirão outros, muitos outros. E minha amiga visionária sabe também.